Três novas estruturas passam a atuar no escoamento da produção do Nordeste para o Sudeste e Centro-Oeste do Brasil
No último dia 16 de outubro, entraram em operação no Sistema Interligado Nacional (SIN) uma subestação (SE) e quatro linhas de transmissão (LT) capazes de aumentar o escoamento da produção de energia na região Nordeste.
Todas elas ficam localizadas no Ceará e interligam boa parte da Região Metropolitana de Fortaleza, de acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS):
- SE 500/230 kilovolts (kV) Pacatuba;
- LT Pecém II/Pacatuba C;
- LT Fortaleza II/Pacatuba C;
- LT Pacatuba/Jaguaruana II C.
Segundo Marcio Rea, diretor-geral do ONS, as novas linhas de transmissão permitem ampliar a transferência de energia do subsistema Nordeste para o Sudeste/Centro-Oeste, principalmente a partir da geração de eletricidade por meio de turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos.
“A ampliação das linhas de transmissão está em linha com a estratégia de aumentar a transferência de energia do Nordeste, maior produtor de energia limpa do País, para os demais subsistemas, em particular para o centro de carga que é o Sudeste. É uma situação na qual todos ganham”, declara.
Aumento na produção de energia renovável
Conforme o ONS, com a entrada em operação das novas estruturas, a transferência de energia entre os subsistemas no sentido Nordeste — Sudeste/Centro-Oeste poderá ser ampliada em 12%, saindo dos atuais 11,6 gigawatts (GW) para 13 GW.
No sentido do subsistema Nordeste para o Norte, a carga exportada “poderá ser aumentada em quase 30%”, de acordo com o Operador, saindo de 4,8 GW para 6,2 GW.
“Esses acréscimos vão representar a ampliação do aproveitamento da produção da energia produzida pelo vento e pelo sol, voltando a volumes de escoamento anteriores à ocorrência de 15 de agosto de 2023, com segurança e confiabilidade”, completa o ONS.
Na data mencionada pelo Operador, uma queda de tensão causou o desligamento da linha de transmissão Quixadá-Fortaleza II. Uma “atuação indevida” do sistema de proteção causada por uma falha no desempenho de usinas eólicas e solares foi relatada pelo ONS como principal causa que culminou no apagão que afetou todos os estados do Brasil, exceto Roraima, que ainda não é interligado ao SIN.
Após o evento, foi determinado curtailment (em português, seria corte de geração) pelo ONS para evitar sobrecarga nas linhas de transmissão pela alta produção de energia a partir de fontes eólicas e solares, caracterizadas por intermitência na geração. Por isso, o Operador limita quanto cada um dos modais pode gerar.
Essa determinação é duramente criticada por empresas do setor de energia. Para eles, o problema da sobrecarga no sistema pode ser resolvidos de outras formas, como com atualizações no sistema de linhas de transmissão, bem como outras ações, como o armazenamento de eletricidade, ainda não regulamentado no País.
Com as novas linhas de transmissão e a subestação em operação em solo cearense, o ONS garante que a medida vai aumentar o “aproveitamento da geração eólica e solar e, consequentemente, reduzir as restrições de geração dessas fontes”. O fim do curtailment, no entanto, não foi garantido.
As quatro estruturas no Ceará devem ganhar ainda o acréscimo da linha de transmissão de 500 kV Olindina/Sapeaçu, na Bahia. Somente esse equipamento vai aumentar em 38,5% a capacidade de escoamento de energia do subsistema Nordeste para o Sudeste/Centro-Oeste, saindo de 13 GW para 18 GW.
Vale lembrar ainda que todas as quatro linhas de transmissão, três no Ceará e uma na Bahia, e a subestação em Pacatuba integravam os lotes 3 e 7 do leilão de transmissão 02/2018. Demoraram, portanto, seis anos em obras para entrarem efetivamente em operação.
Setor comemora a medida, mas com atenção
O diretor técnico regulatório da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), Francisco Silva, ressalta que as novas linhas de transmissão, que aumentam em 55% a capacidade atual de escoamento de energia entre os subsistemas Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste, é “uma ótima notícia”, mas faz alerta.
“Nesse momento, qualquer possibilidade maior de transmitir nossa energia acaba sendo uma boa notícia, no entanto, em efeitos práticos, percebemos que até o momento não houve grande diferença com relação aos cortes de geração, nossos geradores continuam relatando isso. Como a notícia foi fornecida há pouco tempo, vamos aguardar até que haja uma estabilidade e possamos perceber uma redução nesses cortes”, pontua.
A ideia é compartilhada pelo especialista técnico regulatório da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Vinícius Suppion. De acordo com ele, “o limite de escoamento estava muito apertado”, com várias usinas produzindo bem abaixo da capacidade em virtude do corte na geração.
“Com esses reforços na transmissão, a gente espera que retorne à situação de normalidade para essas usinas e que esses problemas acabem, mas efetivamente tem que entender que o problema da transmissão e o planejamento dela é fundamental, porque se não vamos ficar com gargalo muito grande para conectar novas fontes”, diz.
“A gente comemora que tenham entrado reforços no sistema de transmissão, mas efetivamente a gente ainda tem bastante para avançar em sistemas de transmissão no Brasil para poder explorar o potencial renovável que temos no País”.
Vinícius Suppion
Especialista técnico regulatório da Absolar
Demora na construção das linhas de transmissão afugenta investimentos
Segundo o próprio ONS, o tempo médio para uma linha de transmissão entrar em operação é de seis anos, mas como ressaltado por Francisco Silva, pode até ser maior, em claro desarranjo com os projetos de energias renováveis, que ficam prontos em cerca de três anos — ou até menos tempo.
“Entendemos que alguns avanços já foram feitos com relação à questão de se fazer um planejamento que considere o descompasso entre as linhas de transmissão, que demoram mais a serem construídas do que os projetos de energias renováveis. É importante, uma decisão tomada lá atrás, hoje o planejamento é feito pensando no escoamento de energia de projetos que vão ser construídos alguns anos à frente”, explicita.
O professor do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raphael Amaral, aponta que o “setor de energia é muito regulamentado” no País, precisando passar por diversos trâmites legais, o que acaba atrasando ainda mais a operação das linhas de transmissão e de infraestrutura de eletricidade.
“Tem que ter a inscrição de interesse no Ministério de Minas e Energia, passar pelos estudos de Empresa de Pesquisa Energética para poder ir para leilão. Esses trâmites levam em média de seis a sete anos, e a construção das usinas não leva tudo isso. O Estado, de certa forma, vai ter que tentar antecipar esse movimento para expandir o sistema de transmissão antes da conclusão da geração. A regulação está tão amarrada que não tem muito que o mercado pode fazer, é seguir as regras do jogo”, observa.
Alternativas às linhas de transmissão são “solução”
Com uma maior cautela para investir no Ceará em virtude do descompasso entre o avanço das fontes renováveis e a falta de infraestrutura adequada, o setor mostra que é preciso uma maior ação governamental para evitar fuga de investimentos.
Raphael Amaral avalia que o aumento na transferência energética entre os subsistemas do SIN são “um ótimo cartão de visitas”, e atenta para que o ONS fique de olho no despacho da geração das renováveis em busca de evitar os prejuízos das empresas, que podem ultrapassar os 70% com os cortes de geração.
“Se o ONS não faz essa transferência da energia que é gerada, vai afugentar os investidores. Tem a questão boa, da instalação das novas linhas de transmissão, de expansão da rede de renováveis, mas o ONS tem que trabalhar na operação para aproveitar a geração. Enquanto o hidrogênio verde e o armazenamento de baterias não viram realidades, temos que aproveitar o potencial eólica e solar e botar no SIN, porque se não as empresas vão ter prejuízo”. Raphael Amaral – Professor do departamento de Engenharia Elétrica da UFC
A questão do armazenamento de energia por meio de baterias permitiria “estocar” a eletricidade produzida por meio das renováveis. Para Vinícius Suppion, é uma alternativa ainda melhor do que esperar novas infraestruturas de linhas de transmissão.
Efetivamente as baterias entram em operação muito mais rápido do que as linhas de transmissão, e elas podem ser uma solução para isso no curto prazo e bastante flexíveis. Além de poder armazenar essa energia e deixar a linha transmitir essa energia em um momento que ela não está tão carregada, é uma solução que entraria em operação bastante rápido”, conclui o especialista.